sexta-feira, 24 de outubro de 2008

O porta-retrato

Breno foi pai e mãe ao mesmo tempo. Quando Paulinho tinha 3 anos, Anita saiu de casa. Queria viver a vida e seus sonhos eram incompatíveis com qualquer tipo de rotina, principalmente se esta incluísse casa e filhos. O que para Breno foi ótimo. A idéia de ser pai-solteiro jamais o assustou. Mesmo sendo policial, fazia parte da polícia técnica, era excelente desenhista e sua especialidade era produzir retratos falados e projetar o desenvolvimento das imagens de crianças desaparecidas. A partir de fotos da criança e seus pais, projetava como seria seu rosto quando ela tivesse mais velha.

Foi numa sexta-feira, logo após ter chegado no departamento, que Breno recebeu a notícia da morte de Paulinho. Choque na tomada do quarto. Fatalidade. A babá tentou livrá-lo e acabou eletrocutada também. Inexperiência. Mais fatalidade. Breno havia colocado proteções em todas as tomadas mas a babá havia tirado na última vez em que levou o rádio para o quarto do menino.

Breno enterrou Paulo no cemitério da Quarta Parada, na zona leste de São Paulo. Não avisou ninguém da família, nem Anita ficou sabendo.

Breno seguiu a vida no mesmo ritmo de antes. Nunca mais pôs os pés em casa, exceto no dia do enterro, quando foi retirar algumas roupas suas e documentos.

Mudou-se para uma pensão em Santa Cecília, bem pertinho da igreja, na qual jamais entrou.

Breno nunca mais se relacionou com outra mulher. Pra ser sincero, não se relacionava com mais ninguém. Sua rotina era o trabalho e o quarto da pensão. No trabalho quase não falava com ninguém, prática facilitada pela sua atividade altamente técnica e reservada. Praticamente só conversava com vítimas de crimes para reconhecer criminosos, mas que mesmo assim era um trabalho de mostrar álbuns e formatos de rostos e traços.

Seu quarto na pensão só tinha uma cama e um criado mudo, onde pôs um porta-retrato com uma foto em “close” de Paulinho.

Todo dia em que Paulinho completaria mais um aniversário, Breno substituía a foto por outra, atualizada por ele em programa de computador. Assim ele podia ver como estaria Paulo ano após ano.

E assim o fez por muitos anos.

Um dia, quando atualizou a imagem de Paulinho quando ele completaria 34 anos, Breno por fim reconheceu-se. Parecia que não era mais o Paulo, mas a imagem de si próprio.

Nesse dia, antes de ir para casa, passou pela confeitaria que ficava na esquina e comprou um pedaço de torta de maçã, uma velinha.

Ao chegar ao seu quarto, substituiu a foto atualizada no porta-retratos, cantou para si mesmo em pensamento o “parabéns a você”, apagou a vela, comeu o bolo e foi deitar-se.

Seus colegas da Polícia encontraram-no morto em sua cama no dia seguinte. Já não tinha mais motivos para levantar-se.

6 comentários:

Anônimo disse...

Juliano, excelente texto, o que prova que você continua aquele cara talentoso que conheci muito tempo atrás e que tive a graça de conviver (bons tempos do BB, hein!?).

Foi muito bom conhecer seu blog (recomendação do João Luis). Vou linkar seu endereço lá no meu. Aproveito o ensejo para convidá-lo a conhecer para trocarmos idéias. Sempre voltarei por aqui para conferir seus novos conteúdos.

Gostei das pinturas.

Abração.

Ery Roberto
www.infinitopositivo.blogger.com.br

Anônimo disse...

Juliano, voltei para lhe dizer que vou apresentá-lo no blog aos meus leitores. E para isto, nada melhor do que - com sua permissão - reproduzir este texto ("Porta-retrato").

Forte abraço.
Ery

Cris disse...

Oi, Juliano,

Cheguei aquí através do Ery . Comprovei mais uma vez que é bom dar ouvidos aos amigos.

Abração e parabéns pelos textos.

Anônimo disse...

Juliano,

também vim trazida pelo Ery, e valeu a pena.
Você escreve muito bem, que bom.

Abraço

Vivina.

Juliano Rodrigues disse...

Valeu pela força, Ery!

O seu site é excelente. Fiquei muito feliz com a recepção que o texto está tendo. Isso me dá coragem para perseverar dessa seara...

Baita abraço e, mais uma vez, obrigado!!

Juliano Rodrigues disse...

Oi, Cris,

Obrigado pelos teus comentários!

Espero Vê-la de novo em meu blogue.

Grande abraço!