segunda-feira, 25 de junho de 2012

Em meio a cruzes
e quartos-crescentes
(medos do homem)
e fórmulas
(maquinomem)
D'existimos

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Uma flor pra Laurinha (2003)

Doutor Ítalo e os espelhos

Seu Ítalo sabia que estava prestes a morrer. Antes de seguir para o hospital onde o médico faria uma última tentativa de postergar os efeitos da metástase já adiantada, foi ao seu barbeiro aprumar o bigode, endireitar as sobrancelhas, aparar o cabelo. 
Ele freqüentava a barbearia de Seu Adamastor desde a juventude, muito antes de entrar na Faculdade de Direito de Ponta Grossa.
Seu pai costumava dizer-lhe que, para compensar seu claudicante caráter, era necessário ao menos manter uma aparência firme, decidida, porém agradável aos olhos, principalmente aos que refletiam almas femininas. Não gaste dinheiro com livros, dizia. Poupe-os para gastar com o barbeiro, o alfaiate e o ourives. Gaste-o também adquirindo pequenos mimos, que presenteados às pessoas certas, poderão ser mais úteis do que conhecer palavra por palavra, todas as obras de Giordano Bruno e os códigos de direito civil, penal e tributário, disponíveis na biblioteca da Faculdade. Dos clássicos, basta conhecer apenas uma única frase de Maquiavel. Aquela que diz que não é necessário ser. Basta apenas parecer ser.
A Barbearia do Adamastor estivera fechada por três dias. Os ventos da modernidade motivaram-no a mudar a aparência do salão de corte. Basicamente a tão esperada modernização, no caso da barbearia, se resumia na substituição do tecido dos assentos (que foram recobertos em couro de um tom vermelho escuro); mudanças na iluminação do ambiente (retirada de um velho lustre) e colocação de enormes espelhos nas paredes. Estes fascinaram Seu Ítalo. Não só pelo tamanho, mas por sua colocação  nas paredes situadas à frente e às costas dos clientes, de tal modo que podiam ver suas imagens refletidas infinitamente pelo jogo de espelhos.
Aquela perspectiva deixou-o encantado, enlevado até. A multiplicação de sua imagem dava-lhe uma sensação indescritível de infinitude. Não via apenas sua imagem multiplicada, mas sua essência. Sabia que morreria e não havia nada de significativo a deixar para trás. Apenas filhos, uma esposa, algumas propriedades herdadas que ainda não tivera tempo de usufruir. Algumas amantes furtivas que habitavam os arredores dessas propriedades, notadamente as mais distantes. Nada mais que isto.
Mas a magia da repetição de sua imagem valera-lhe a vida.
Duas semanas depois, Seu Ítalo estava à morte. Seu último desejo foi ser levado novamente à barbearia. Os médicos tentaram argumentar dos riscos nos quais incorria e do fato de que poderiam reproduzir o mesmo efeito dos espelhos no quarto do Hospital. Não conseguiram convencê-lo.
Seu Ítalo morreu dentro da ambulância, dois quarteirões antes de chegar na barbearia de Seu Adamastor.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Planta em detalhe - 2002

O professor volta pra casa

Lembro que ela me chamou de pai enquanto empurrava a cadeira de rodas na saída do hospital. Colocou-me num carro e me trouxe para esse apartamento. Disse que eu havia sofrido uma espécie de perda súbita de memória.

Ester (é esse o nome da mulher que me trouxe pra esse apartamento) me deu um álbum com muitas fotos. Eu me reconheço em várias delas, mas não lembro o nome de quem está comigo, nem de quando foram tiradas.

Ela, a mulher que me trouxe (acho que é minha filha), disse que eu era professor aposentado de Filosofia. Apontou pra mim uma escrivaninha. Levando-me até ela, me mostrou uma estante cheia de livros. Leio os sobrenomes Nietzsche, Deleuze, Harvey, Kant, Baudrillard, Sartre, Hegel, Luckaks, Guattari nas lombadas, mas não lembro se já os li e menos ainda o que neles está escrito.

Hoje está quente. Ela diz que já são oito da noite. Me leva para uma grande varanda que existe no apartamento. Ela me traz um copo de suco amarelo. Me disse que era de manga, meu predileto, segundo ela. Coloca um lençol sobre minhas pernas (ainda não saí da cadeira de rodas). O céu está cheio de estrelas.

 Ester passa a mão pelos meus cabelos, me alisa as sobrancelhas, me trata com carinho.

Nada mais me lembro acerca de todos aqueles livros e que, segundo Ester,  até dei aulas sobre o que neles está contido.

Não sei bem quem sou, não faço a mínima idéia do que tenho que fazer. Só duas coisas me parecem certas: as estrelas que eu vi no céu e as mãos de Ester alisando os meus cabelos.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Bisotê

Imagine uma urna mortuária, um caixão, uma esquife,

Colocada em pé, como que exposta numa funerária.

No tampo, ao invés de madeira marchetada

Um grosso espelho de bordas bisotadas

Uma parte de mim está se debatendo desesperada

Presa dentro desta urna

A outra parte observa do lado de fora

E cinicamente sorri

Enquanto passeia os dedos por sobre o bisotê