quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Bisotê

Imagine uma urna mortuária, um caixão, uma esquife,

Colocada em pé, como que exposta numa funerária.

No tampo, ao invés de madeira marchetada

Um grosso espelho de bordas bisotadas

Uma parte de mim está se debatendo desesperada

Presa dentro desta urna

A outra parte observa do lado de fora

E cinicamente sorri

Enquanto passeia os dedos por sobre o bisotê

meu yin, meu yang



Em toda consciência da própria d'existência, uma r'existência escondida, e vice-versa.

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Entardecer

Era como antes. Um pouco de sonho no final das tardes, um pouco de sono no começo das manhãs, mas sempre pouco. Entardecemos sem pôr do sol de cinema. Agora o nosso castigo será a contumácia das nuvens.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Nenúfares do tatuapé - 2002

Etevaldo conversa no MSN

Etevaldo diz:

Ontem, quase meia-noite, quando eu acabei de colocar o último post no blog dentro do banheiro do Hotel (única tomada disponível para um laptop com a bateria zerada...) eu me peguei sorrindo... do tipo "feliz comigo mesmo" sabe? Não faz idéia como faz tempo que isso não acontece...

ELEUTÉRIA diz:

por algo em especial ou pelo conjunto de coisas?

Etevaldo diz:

Parece que, quando isso acontece, alguma coisa boa entra no sangue e nos faz sentir melhores. Eu me senti assim e ainda estou me sentindo hoje pela manhã...

Etevaldo diz:

Eu comecei essa história de blog pensando em divulgar textos ligados à logística e as questões de economia solidária... Só pus um teste da batida de um caminhão da belgo, mais para sacanear uma amiga minha, engenheira de segurança, do que por outra coisa...

Etevaldo diz:

Mas ontem à noite, olhando pros dois blogs, não tive dúvidas de qual me deixava mais feliz, mesmo com os erros e com o que virá pela frente...

ELEUTÉRIA diz:

fiquei emocionada aqui.....

Etevaldo diz:

Nós NECESSITAMOS de pequenos prazeres, senão morremos lentamente... É uma espécie de suicídio lento. Questionamos quem se mata com um tiro ou se jogando de um prédio, mas não perguntamos a nós mesmos o que estamos fazendo com a gente mesmo.

E se perguntamos, fingimos não ouvir a resposta que nós mesmos damos e persistimos no auto-engano. Se não houver pequenos prazeres, já estamos mortos e não sabemos. Já nos suicidamos há muito tempo... Quando é que a gente vai parar de d’existir e começar a r’existir??

ELEUTÉRIA diz:

pronto, dá um post isso

Etevaldo diz:

preciso de um copo de água. Minha garganta esta seca... 


domingo, 26 de outubro de 2008

Flores no vaso - 2002




Geraldinho e os mosaicos

Era mesmo uma figura o Geraldinho. Se você não soubesse que o menino maluquinho era o Ziraldo, talvez acreditasse que o personagem tivesse sido inspirado nele.

Desde criança Geraldinho gostava de criar mosaicos. E quanto mais cores tivessem os cacos, mais belo ficava o conjunto. Os pedaços não existem sozinhos (são apenas cacos). É a sua inter-relação e correlação que lhes dá sentido e lhes garante existência (o mosaico). Virou, segundo ele, psicólogo alternativo (será que isso existe mesmo?) cuidando de conversar com cacos que ainda não se perceberam como partes de um mosaico. 

Entretanto, se você perguntasse o que ele fazia, responderia sem hesitação de que se tratava de um renomado exorcista de almas indecisas (águias ou galinhas), mas você poderia tratá-lo por você e que sua principal missão era exorcizar os pacientes daquilo que eles tinham de mais diabólico, dia-bólico (para quem eu emprestei “o despertar da águia” do Boff??)

Dizia que era exorcista porque, para que, com sua ajuda pudessem retornar cheios de candura e resignação para o reto caminho do amor e do trabalho. E se não retornassem, pudessem ser aceitos socialmente através da arte, espécie de mecanismo onde as “anomalias criativas” das ovelhas desgarradas eram utilizadas de modo a enfeitar com cores, movimentos, palavras e gestos, as margens da estrada dos que andam no reto caminho. Isso poupa o tempo deles em arriscar-se em devaneios criativos e permitia que não se desviassem do reto caminho. Que pudessem ser sim-bolos e não dia-bolos. Preciso achar urgente o maldito livro do Boff. Vou rezar pra São Longuinho...

Geraldinho levava dentro da carteira uma cópia da carta de despedida de um ex-paciente seu que dizia: “Desde o fundo deste poço percebo uma poça, que parece refletir a imagem de um céu azul. Mas meus pés estão molhados e também não há mais força para escalar esse poço. O último fôlego que me resta, quero usar pra te dar adeus.”

Não. Ele não se matou não. Foi morar na Itália com uma amiga da mãe dele. Há de estar triste, com o olhar perdido, deprimido tomando uma taça de vinho tinto em algum bistrô do Quatier Latin, em Paris, ou comendo tiramisú na Galeria Vitor Emmanuelle II, em Milão. Não tenho nenhum livro do Juca Chaves, o que é uma pena...

Tanto eu quanto Geraldinho gostávamos de estudar física quântica e ler sobre a Teoria dos Jogos, ambas em suas tentativas de aplicação nas ciências sociais. Bohm, Capra, Nash, Von Neuman e outros caras. E quem lê Bohm, não pode não ler Krishnamurti, certo? Aquele indiano que era esperado pelos fiéis como instrutor do mundo e frustrou seus séqüitos ao anunciar que todas as religiões são muletas e, já que era esperado como o messias, o guia supremo daquela ordem religiosa, achou por bem dissolvê-la. Não seria ele a muleta de alguém. Ele tem diversos diálogos com Bohm publicados.

Outro dia Geraldinho me contou que fazia parte de uma comunidade do Orkut sobre David Bohm. E que todos os seus membros tinham recebido uma mensagem esquisita de um cara que também deveria ser bem esquisito se dizendo fundador de uma nova religião quântica baseada na física esotérica. Acho que se os dois (Bohm e Krishnamurti) ainda estivessem vivos, um estaria segurando o meliante com uma chave de braço e outro estaria tentando dar uma voadora bem no meio dos peitos do novo messias...

Semana passada fui encontrar o Geraldinho na sua clínica. Na chegada não vi ninguém. Nem paciente folheando revista Caras, nem secretária buscando autorização de plano de saúde. De porta aberta em porta aberta cheguei à sala do Geraldinho que jazia sentado em sua cadeira de espaldar alto e fofinho de cor marrom (sabe aquelas que imitam couro?). Em cima da mesa uma seringa usada. Colado na testa um post-it amarelo escrito “fui”.