domingo, 26 de outubro de 2008

Geraldinho e os mosaicos

Era mesmo uma figura o Geraldinho. Se você não soubesse que o menino maluquinho era o Ziraldo, talvez acreditasse que o personagem tivesse sido inspirado nele.

Desde criança Geraldinho gostava de criar mosaicos. E quanto mais cores tivessem os cacos, mais belo ficava o conjunto. Os pedaços não existem sozinhos (são apenas cacos). É a sua inter-relação e correlação que lhes dá sentido e lhes garante existência (o mosaico). Virou, segundo ele, psicólogo alternativo (será que isso existe mesmo?) cuidando de conversar com cacos que ainda não se perceberam como partes de um mosaico. 

Entretanto, se você perguntasse o que ele fazia, responderia sem hesitação de que se tratava de um renomado exorcista de almas indecisas (águias ou galinhas), mas você poderia tratá-lo por você e que sua principal missão era exorcizar os pacientes daquilo que eles tinham de mais diabólico, dia-bólico (para quem eu emprestei “o despertar da águia” do Boff??)

Dizia que era exorcista porque, para que, com sua ajuda pudessem retornar cheios de candura e resignação para o reto caminho do amor e do trabalho. E se não retornassem, pudessem ser aceitos socialmente através da arte, espécie de mecanismo onde as “anomalias criativas” das ovelhas desgarradas eram utilizadas de modo a enfeitar com cores, movimentos, palavras e gestos, as margens da estrada dos que andam no reto caminho. Isso poupa o tempo deles em arriscar-se em devaneios criativos e permitia que não se desviassem do reto caminho. Que pudessem ser sim-bolos e não dia-bolos. Preciso achar urgente o maldito livro do Boff. Vou rezar pra São Longuinho...

Geraldinho levava dentro da carteira uma cópia da carta de despedida de um ex-paciente seu que dizia: “Desde o fundo deste poço percebo uma poça, que parece refletir a imagem de um céu azul. Mas meus pés estão molhados e também não há mais força para escalar esse poço. O último fôlego que me resta, quero usar pra te dar adeus.”

Não. Ele não se matou não. Foi morar na Itália com uma amiga da mãe dele. Há de estar triste, com o olhar perdido, deprimido tomando uma taça de vinho tinto em algum bistrô do Quatier Latin, em Paris, ou comendo tiramisú na Galeria Vitor Emmanuelle II, em Milão. Não tenho nenhum livro do Juca Chaves, o que é uma pena...

Tanto eu quanto Geraldinho gostávamos de estudar física quântica e ler sobre a Teoria dos Jogos, ambas em suas tentativas de aplicação nas ciências sociais. Bohm, Capra, Nash, Von Neuman e outros caras. E quem lê Bohm, não pode não ler Krishnamurti, certo? Aquele indiano que era esperado pelos fiéis como instrutor do mundo e frustrou seus séqüitos ao anunciar que todas as religiões são muletas e, já que era esperado como o messias, o guia supremo daquela ordem religiosa, achou por bem dissolvê-la. Não seria ele a muleta de alguém. Ele tem diversos diálogos com Bohm publicados.

Outro dia Geraldinho me contou que fazia parte de uma comunidade do Orkut sobre David Bohm. E que todos os seus membros tinham recebido uma mensagem esquisita de um cara que também deveria ser bem esquisito se dizendo fundador de uma nova religião quântica baseada na física esotérica. Acho que se os dois (Bohm e Krishnamurti) ainda estivessem vivos, um estaria segurando o meliante com uma chave de braço e outro estaria tentando dar uma voadora bem no meio dos peitos do novo messias...

Semana passada fui encontrar o Geraldinho na sua clínica. Na chegada não vi ninguém. Nem paciente folheando revista Caras, nem secretária buscando autorização de plano de saúde. De porta aberta em porta aberta cheguei à sala do Geraldinho que jazia sentado em sua cadeira de espaldar alto e fofinho de cor marrom (sabe aquelas que imitam couro?). Em cima da mesa uma seringa usada. Colado na testa um post-it amarelo escrito “fui”.

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